segunda-feira, 19 de março de 2012

O lado negro do Exame da OAB


O STF declarou que o Exame da OAB não é inconstitucional. A questão é que o problema do Exame não é esse, mas outro. Sempre fui a favor do Exame, por motivos já expostos em artigos anteriores, entendendo que exames análogos devem ocorrer em todas as carreiras. O Exame da OAB protege a sociedade de advogados despreparados e dá instrumentos de avaliação das instituições tanto para o mercado quanto para o MEC e a OAB, bem como alerta aos acadêmicos sobre a seriedade demandada em um curso superior. Por outro lado, o Exame não pode ser mal aplicado nem se transformar em um martírio.
O fato de uma coisa ser necessária e útil não significa que ela possa ser mal-executada. O Exame é de ser mantido, mas precisa ser aperfeiçoado. Pelo menos em três aspectos, creio que medidas relativamente simples poderiam melhorar o sistema.
Aplicação por fases: três exames ao invés de um – Avaliação Seriada.
Não é de bom-tom deixar que a pessoa primeiro se forme para, depois de cinco anos em uma instituição ruim, só então descobrir a má-formação que teve. Por mais que se indiquem os cuidados na hora de escolher uma faculdade, buscando as que têm maior aprovação, este é um processo ainda em maturação na sociedade. A própria OAB ainda não fez seu dever de casa de dar justa retribuição às escolas de fundo de quintal ou meras arrecadadoras de dinheiro. Então, é preciso criar mecanismos onde os acadêmicos possam ser avaliados em mais de uma fase e ao longo do curso, não apenas quando de seu término.
Embora o que proponho dê algum trabalho, produz igualmente mais justiça e respeito aos estudantes. A proposta é que do mesmo jeito que faz um exame no final do curso, a OAB disponibilize outros dois momentos de avaliação, um deles no 4º período, outro no 7º. Assim, o acadêmico poderá ir mensurando seus resultados e adotando as oportunas providências, sem haurir recursos, tempo e esperanças, mercadorias ainda raras para a maior parte da população de nosso país.
Entre as sugestões está a de poder o acadêmico optar entre utilizar a média das três provas, ou apenas a última nota, de modo que se tiver sucesso nas primeiras isso será aproveitado; se não o tiver, terá a oportunidade de se recuperar. Essas notas das primeiras provas servirão de alerta não só para o acadêmico, mas também para as instituições de ensino. Hoje as mais sensatas já se preocupam com a qualidade na saída do curso, estas provas irão fazer com que este processo se antecipe. Avaliações seriadas não são novidade na educação nem nas seleções para as universidades e menos ainda nos certames jurídicos. As notas de uma prova serem utilizadas posteriormente, idem. O exame múltiplo também retirará boa parte do conteúdo dramático da prova única, dos riscos de um dia ruim ou até de um examinador equivocado.
Nível de dificuldade das questões
Entre os problemas que o atual Exame possui, anoto mais dois: quando coloca questões difíceis demais, o que não é indicado, ou quando parte para as ridículas questões de “decoreba”. É falta de senso exigir que um recém-formado demonstre conhecimentos muito aprofundados, o que cabe noutros exames, mas não neste. Igualmente, é lamentável uma banca ser incapaz de criar questões inteligentes e interessantes. É triste ver, em cursos preparatórios para o Exame, os professores e alunos perdendo tempo com técnicas mnemônicas para decorar números e “pegadinhas” ao invés de estimularem o raciocínio e o que o Direito tem de mais belo, fascinante e útil para a sociedade.
Sou especializado em preparar pessoas para passar em exames e concursos, sei que, eu e meus colegas professores podemos preparar os alunos para esse tipo de questões, mas isso não significa que elas sejam adequadas. Os alunos irão aprender o que for cobrado, e o que deve ser exigido não é que sejam um novo Rui Barbosa nem que aprendam a decorar artigos.
Evolução progressiva
Uma das maiores tragédias sobre o Exame da OAB hoje consiste em ver o que acontece, por exemplo, em São Paulo, onde já existe um mercado para “advogados sem carteira”. Eles recebem menos do que os que a detêm e disputam o mercado de “não advogados” com os estagiários. É triste ver uma pessoa formada, ainda que não aprovada no Exame, nessa situação. Se por um lado existe uma “culpa” da própria pessoa, por não ter adquirido e transmitido no certame os conhecimentos necessários, não esqueçamos que faltou ao MEC e à própria OAB maior fiscalização nas instituições de ensino que fingem ensinar. Deixar a conta desse rescaldo histórico apenas na mão dos bacharéis é crueldade. 
A verdade é que o maior rigor nesses exames, que é medida saudável, ainda encontrou no meio do caminho uma grande quantidade de pessoas que, ainda acadêmicos, não tinham condições de saber que o curso em que estudavam era fraco.
Não estou defendendo que se permita a pessoas mal preparadas receber a carteira, defendo exatamente o contrário, mas as soluções sociais devem ser aplicadas com cautela e paulatinamente. Corrigir a péssima qualidade dos cursos jurídicos é uma premissa, mas a execução tem de ser mais humana e sábia.
Aqui, a proposta é que os Exames tenham grau de dificuldade definido. A partir da definição do ponto ideal (nem novos luminares, nem decoradores de leis, mas pessoas bem formadas), deve haver uma implantação desse nível de dificuldade em três a quatro anos. Assim, nos Exames de 2012 se exigiria 50% desse nível ótimo, no ano seguinte 65%, depois 80% e então, dali em diante, 100%. Não estou me referindo à nota, mas ao grau de dificuldade geral da prova. Embora heterodoxo, esse método soluciona o passivo criado pela incúria do MEC e da OAB. Ele é um meio-termo que resolve um problema grave de modo razoável. O rigor progressivo e pensado exigirá estudo de qualidade de todos, mas será aplicado cum granus salis.
A quem indagar sobre a qualidade menor nos dois primeiros anos, responderei que a sociedade já conviveu com o problema muitos anos, e ainda convive com ele em outras profissões, de modo que consertá-lo entre os advogados é algo a ser feito em passos moderados para não deixar uma grande massa de bacharéis no limbo criado mais pelo MEC e pela OAB do que por eles mesmos. Para os próximos anos, naturalmente, essa solução não servirá, obrigando que instituições de ensino, estudantes e órgãos competentes continuem o processo de depuração e aperfeiçoamento que a advocacia precisa e merece.
A manifestação do STF sobre a constitucionalidade do exame foi necessária frente à provocação para tal. O que os que são contra, e mais ainda os que são a favor, do referido exame necessitam é focar em sua forma de execução, mais do que na sua mera existência ou não.
William Douglas é Juiz Federal/RJ, professor, escritor, mestre em Direito, aprovado em 1º lugar para juiz, delegado e defensor público/RJ, e especialista em Políticas Públicas e Governo.

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