segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Schopenhauer, “professor” de Redação para Concursos


Olá, pessoal, sou eu, o professor Antônio Carlos Alves, de Língua Portuguesa para Concursos, aqui do Rio de Janeiro, de novo. Há pouco, falei num texto sobre Redação, especificamente falei sobre o mito de “termos que ler muito para escrever bem”. Pois bem, vou continuar ainda com Redação e o mesmo tema, mas vou pedir a ajuda de um colega, o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860). Schopenhauer foi professor de Redação para concursos na Alemanha do século XVIII e XIX, quando ainda nem havia concursos públicos na Alemanha. Ou seja, foi um pioneiro. Estava realmente à frente de seu tempo, muito à frente. Não, é claro, por ter dado aulas para concursos, mas pelo que publicou acerca do ato de escrever. Schopenhauer possui um pequeno livro intitulado A arte de escrever. Tudo que virá nas aspas é de Schopenhauer e será retirado de tal livreto. 
Na verdade, tratarei de uma variante de mesmo tema: exatamente falarei da supervalorização da leitura na sociedade moderna e o (não) reflexo (?) disso na hora de escrever. Schopenhauer, há mais de 150 anos, disse o seguinte sobre o informar-se, o saber, o pensar e, com isso, o escrever: “Em geral, estudantes e estudiosos de todos os tipos e de qualquer idade têm em mira apenas a informação, não a instrução. Sua honra é baseada no fato de terem informações sobre tudo, sobre todas as pedras, ou plantas, ou batalhas, ou experiências, sobre o resumo e o conjunto de todos os livros. (...) Diante da imponente erudição de tais sabichões, às vezes digo para mim mesmo: Ah, essa pessoa deve ter pensado muito pouco para poder ter lido tanto!” – grifo meu (2005: 20).
Perceba que Schopenhauer trata aqui da não soberania do ato de ler. Tal como se mostra em seu pensamento, a atividade da leitura provoca duas consequências inevitáveis e igualmente cruciais: provoca as mais das vezes uma erudição vazia, fato que vem a reboque da segunda consequência, que é a de fazer com que o leitor voraz tenha pouco tempo para pensar. Ora, você deveria estar se perguntando: o que, Antônio, isso tem a ver com Redação e Redação para Concursos? Isso mostra que há consideravelmente um equívoco inicial, que é o de se acreditar no discurso de que a leitura per si e a leitura assídua capacitam mentalmente alguém para ser um bom pensador e, com isso, um bom argumentador, na hora em que se produz um texto. Em geral, lê-se muito – quando se lê!!! – e pensa-se pouco. Isso é o que se mostra na grande maioria dos textos que são elaborados por candidatos a concursos públicos. Com a antiga e tradicional ótica de que vocês têm que ter 3 argumentos, apresentados já na introdução do texto, para serem discutidos no desenvolvimento, vocês acabam por não listar 3 argumentos condizentes ao propósito do seu próprio texto, muito menos conseguem nas habituais 30 linhas (aliás, aproximadamente 20 linhas -  no que se refere ao desenvolvimento) dar conta de discutir e pensar sobre os argumentos escolhidos. Sobra, na verdade, muito pouco espaço para o pensamento e a argumentação se consolidar com consistência.
Saiba que um texto bem argumentado tem que ter consistência não apenas de informações, mas, sobretudo, de profundidade dos argumentos. E como você se aprofunda num argumento?  Primeiro: mantenha-se nele!!! Não parta para um outro argumento intempestivamente, nem se preocupe em pensar um segundo abruptamente, se você não acabou de abordar o primeiro de modo adequado, isto é: dentro daquilo a que seu texto se propõe. Se você não acabou de tratar do primeiro argumento, não há por que pensar em mudar para o segundo. Se você mudar do nada, seu pensamento (texto) ficará incompleto. Isso é o que gera aquilo que ora é anotado como falta de coerência (se afetar a lógica do texto), ou falta de coesão (se afetar a ligação e a correspondência de nexos sintáticos do texto). Se você tiver o que falar sobre um só argumento, ou no máximo dois, já vai ser bem mais interessante e mais tranquilo para você. Um ou dois argumentos bem pensados e bem discutidos, em geral, costuma ser mais bem oportuno do que ter três argumentos pensados pelo raso... Até por que sempre faltará, nas frequentes 30 linhas-limite, espaço físico para estender e aprofundar o pensamento.
E Schopenhauer também já dizia isso, a seu modo. Ele considerava o seguinte a respeito do pensar profundamente: “Só é possível pensar com profundidade sobre o que se sabe, por isso se deve aprender algo; mas também só se sabe aquilo sobre o que se pensou com profundidade.” (2005: 39). E isso se contrapõe ao que ele pensa sobre o ler demasiadamente. Veja o que ele diz: “Assim como as atividades de ler e aprender,  quando em excesso, são prejudiciais ao pensamento próprio, as de escrever e ensinar em demasia também desacostumam os homens de clareza e profundidade do saber e da compreensão, uma vez que não lhes sobra tempo para obtê-los. Com isso, quando expõe alguma ideia, a pessoa precisa preencher com palavras e frases as lacunas do seu conhecimento. É isso, e não a aridez do assunto que torna a maioria dos livros tão incrivelmente entediante.” (2005: 21). Percebam que Schopenhauer coloca como mais importante pensar o que se conhece, e não só conhecer. Aliás, ele afirma que para se conhecer bem é preciso pensar sobre o algo que numa primeira instância se conheceu.
Ele também, assim como eu, não coloca a leitura como carta fora do baralho. Esse texto não despreza sumariamente a leitura, descartando-a por completo. Mas ele diz para você: ler faz parte de um conhecer, mas não do argumentar com a pertinência e profundidade de conteúdo que um texto argumentativo a rigor requisita sempre da gente. O apelo que se quer deixar aqui é o de que não basta encher um texto com informações angariadas ora aqui, ora ali. Escrever argumentando, que é o que interessa numa redação argumentativa, típica em concursos públicos, é uma atividade que depende muito mais do exercício do pensar do que da coletânea de informações que adquirimos por meio de mil leituras que venhamos a fazer durante a vida. Argumentar é, nesse sentido, pensar por si próprio. E não compilar pensamentos dos outros. Aliás, a compilação de pensamentos outros gera, a priori, textos argumentativos expositivos, quase descritivos -  coletando e reunindo o que os outros autores desse mundo já pensaram sobre o assunto. Numa redação, o que deve ser exposto é justamente o contrário: é o seu pensamento, é o seu argumento que deve aparecer no texto. É preciso discutir em tal modalidade discursiva a partir do que você pensa, entende, considera sobre o tema proposto a cada concurso, ou a cada instante em que se quer tratar de determinado aspecto, evento, fato, episódio, ou circunstância. Por isso, Schopenhauer diz que “as atividades de ler e aprender são prejudiciais ao pensamento próprio”. Pois o que ocorre é que a atividade da leitura recebeu um status cultural tão impregnadamente superior que, quando lemos, acreditamos que devemos reter aquela informação para reproduzi-la no momento oportuno (a redação?) de modo a demonstrar que temos conteúdo. Ora, isso não é ter conteúdo. Em certo sentido, dir-se-á que sim. Mas, na verdade, não. Reter informação mecanicamente é papel de suportes, de potinhos conteudísticos, tal como foi outrora a fita cassete, e hoje o CD,  o DVD, o pendrive, os HDs, e o próprio livro etc. Todos eles retêm conteúdo, mas não o articulam, porquanto não processam por si a importância, a validade e a verdade de tais informações neles armazenadas. Quem só lê, ainda que muito, se comporta com um almoxarifado de informações, um grande armazém de conteúdos. E qual é o problema disso? Para a vida, nenhum. Cada um tem o direito de ser aquilo que espera ser, quer ser para si mesmo. A questão é que, numa redação argumentativa, a grande maioria das pessoas se comporta de igual maneira. Elas pegam as 30 linhas e recopiam, segundo sua memória e versão, o que está armazenado em si pelos anos e anos de leitura.
Aqui, uma ressalva: vale lembrar que, infelizmente, no nosso país, não temos índices significativos a nos vangloriarmos acerca do fato de termos uma população assiduamente leitora. A coisa se complica, porque ainda, aqui, lemos pouco, ou quase nada, se é que lemos, e sabe-se lá o que lemos...
Enfim, considerando a situação sob o prisma mais generoso, que é a de sermos assíduos leitores, o nosso hábito, porque assim  nos ensinaram, é o de reproduzir (quase que xerografando) conhecimentos nas tais 30 linhas. E, como sabemos, ou deveríamos saber, discutir argumentando não tem nada a ver com xerografar, fotocopiar informações, mas sim discutir pensando o tema em questão. É isso o que é argumentar. De resto, nada ou pouca coisa interessa.
Bom, pessoal, mas uma vez falei do mesmo tema, mas explicitando aspectos sobre os quais eu ainda havia me debruçado naquela ocasião. E vou ficando por aqui. Mas, para terminar, vou fazer das palavras de Schopenhauer as minhas sobre a quantidade exaustiva de conteúdos: “A mais rica biblioteca, quando desorganizada, não é tão proveitosa quanto uma bastante modesta, mas bem ordenada. Da mesma maneira, uma grande quantidade de conhecimentos, quando não foi elaborada por um pensamento próprio, tem muito menos valor do que uma quantidade bem mais limitada, que, no entanto, foi devidamente assimilada.” Traduzindo: muito conteúdo não gera um pensamento muito bom necessariamente, muito menos evidencia a presença de um argumento consistente, bem pensado. Se você sabe pouco, mas pensa bem o que sabe, isso é substancialmente mais útil a todo e qualquer argumentar. Putz! Falei no final! Vou me calar. Depois a gentese fala. Abraços a todos, professor Antônio Carlos Alves -  Manhattan Cursos Online.
PS.: Schopenhauer, filósofo alemão, morto em 1860, ou seja, faz cerca de 150 anos, falou para mim que está ocupado com o edital do TRT, PM, IBAMA, BB entre outros. Mas prometeu que, em breve, ele voltará aqui. 

Antônio Carlos Alves da Silva - Possui graduação em Letras (Português-Literaturas) (2001), Lato Sensu em Língua Portuguesa (2005), Mestrado em Poética (2005) e é Doutor em Teoria Literária (2010), todos obtidos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).  Tem experiência na área de Letras,  com ênfase em Teoria Literária, atuando também nos seguintes temas: língua portuguesa; ensino; produção e interpretação de texto,  gramática;  linguística;  crítica textual e literária;  poética; linguagem; teoria literária; pensamento e cultura.

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